Intervenção da eleita da CDU na sessão Extraordinária da assembleia Municipal de Viseu, sobre o processo dito de Transferência de Competências para as autarquias locais

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  1. A Lei da transferência de competências para as autarquias (Lei 50/2018) e a de alteração à Lei do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (Lei 51/2018), aprovadas no final da sessão legislativa, confirmam a consagração do subfinanciamento do poder local e a transferência de encargos em áreas e domínios vários, colocando novos e sérios problemas à gestão das autarquias e, sobretudo, à resposta aos problemas das populações.

O processo de transferência de competências em curso, longe de satisfazer os objetivos constitucionalmente consagrados para a descentralização, configura, em geral, a mera desconcentração de competências para a execução de atos materiais com autonomia administrativa e financeira.

Não podem deixar de ser considerados nesta avaliação, o conjunto de riscos apontados pelo Presidente da República no acto de promulgação dos referidos diplomas, traduzidos em:

– dúvidas sobre a sustentabilidade financeira concreta da transferência para as autarquias locais de atribuições até este momento da Administração Central;

–preocupação de que essa transferência de poder seja lida como mero alijar de responsabilidades do Estado;

–real possibilidade desta Lei agravar as desigualdades entre autarquias locais;

– dúvidas sobre a exequibilidade do aprovado por indefinição dos riscos financeiros subjacentes;

– reconhecimento do afastamento excessivo do Estado de áreas específicas em que o seu papel é essencial.

O público reconhecimento destes riscos é prova bastante das insuficiências e erradas opções adoptadas na Lei.

Em praticamente todos os domínios, apenas são transferidas para as autarquias competências de mera execução, o que as coloca numa situação semelhante à de extensões dos órgãos do Poder Central e multiplica as situações de tutela à revelia da Constituição, contribuindo para corroer a autonomia do Poder Local.

O carácter atrabiliário que rodeou o processo que conduziu à lei 50/2018, a começar nas incongruências do texto da Lei, teve expressão no próprio debate e aprovação do Orçamento do Estado para 2019 no qual foram rejeitadas propostas essenciais à concretização da transferência de competências. Não deixa de ser significativo que o artigo da proposta de Lei sobre o Fundo Financeiro de Descentralização que remetia (abusiva e ilegalmente, sublinhe-se) para diplomas do Governo a afectação dos meios financeiros tenha sido eliminado. A eliminação deste artigo, traduzindo de forma clara a rejeição da Assembleia da República à pretensão do Governo de decidir dos montantes a transferir para o exercício das competências, só pode ser lido como o reconhecimento da não existência de condições para efectivar a concretização dos diplomas em 2019.

Para lá das razões mais substanciais quanto ao conteúdo e natureza do processo, este facto só por si justificava que o município rejeitasse responsabilidades relativamente às quais não há qualquer garantia legal de virem acompanhadas de meios financeiros.

Aliás, é o próprio Município de Viseu que, para justificar a não aceitação de todas as 11 “competências” que o Governo lhe quer atribuir, reconhece e cito: “que há ainda indefinições dos valores e das responsabilidades a assumir…”. Vai esta constatação do Executivo ao encontro dos argumentos do PCP para a rejeição global dos diplomas. Contudo, a Câmara não é consentânea com o que proclama, caindo, aliás, numa contradição insanável. Pois se existe este reconhecimento de “indefinições dos valores e das responsabilidades a assumir…”, porque aceita umas competências e não aceita outras? Esta duplicidade de decisão política revela uma evidente e manifesta falta de coerência e até de princípios, pelo “calculismo” e avaliação “casuística” de que se reveste.

As competências que aceita, justifica-as a Câmara “com os programas já desenvolvidos pelo município”. Ora, esse devia ser verdadeiramente o argumento para as rejeitar, na medida em que tem essas competências em execução sem necessidade dos diplomas de descentralização. A lei, para esses casos, não vem acrescentar nada, assim sendo o município afirmava a sua autonomia e a pujança e dinâmica do poder local rejeitando-as. Mas não, para o que der e vier, é mais confortável ter um pé dentro e outro fora.

Também temos ouvido bradar o Senhor Presidente nesta Assembleia, contra a “má vontade” do Governo para com a Câmara de Viseu, em matéria, nomeadamente, da transferência do troço do antigo IP5 para a tutela do Município. Vejam só como as coisas são, agora que o Governo se dispunha a entregar ao Município esse troço de estrada, a 229, a EN 16 e todas as outras dentro do Concelho, até agora da responsabilidade do Estado Central, o senhor rejeita. Eu acho bem que tenha rejeitado pelas razões de fundo que nos levam a estar contra esta farsa de descentralização, mas tem de afinar o discurso com as suas reclamações, para não se tornar evidente que todo esse “capital de queixa”  de que é portador não passa de pretexto para se assumir no seu partido como o verdadeiro opositor à política do Governo.

Já o PS, através dos seus vereadores, assumiu o papel de defensor da proposta do Governo, embora não pareça muito convicto de que este seja um “Processo reformista e transparente, que garante a universalidade e igualdade no acesso e à gestão integrada do território”, fim de citação, pois confessa, na declaração de voto proferida em reunião de Câmara que: “temos algumas dúvidas sobre uma ou outra matéria, faltam alguns acertos, sobretudo ao nível da atribuição clara das responsabilidades e da afectação dos recursos, incluindo financeiros”. Não entendo! Afinal o Processo é reformista e transparente, e garante a universalidade e igualdade no acesso e a gestão integrada do território” ou faltam alguns acertos? Podem afirmar convictamente que são realmente as CIMs e esta descentralização que asseguram a “gestão integrada” e o “escrutínio legal” “do exercício de cargos políticos”? Passar responsabilidades dos Municípios para as CIMs, de baixo para cima, é que é um processo descentralizador? Então e aquele amor reiterado e infinito pela regionalização, esvaiu-se com este processo reformista e transparente da descentralização?

A apreciação geral sobre o processo, o conjunto de implicações financeiras, humanas e organizacionais, a ausência de conhecimento sobre as matérias a transferir, deviam ter conduzido a que, responsavelmente e na defesa dos interesses quer da autarquia quer da população, se rejeitasse a assumpção a partir de 1 de Janeiro de 2019, das novas competências. Ficou o Executivo numa posição hibrida, titubeante, uma no cravo outra na ferradura, sem rumo político claro e inequívoco.

Mas este é o momento para os eleitos desta Assembleia Municipal, no respeito pelas próprias conclusões sobre a matéria atrás citada, quer do PS quer do PSD, recusarem um processo objectivamente contrário aos interesses das populações.

Este é o momento para Reclamar:

– o início de um processo sério de descentralização inseparável da consideração da criação das regiões administrativas;

– a reposição das freguesias liquidadas contra a vontade das populações;

– o encetar de um processo de reforço da capacidade financeira dos municípios e da sua plena autonomia, requisitos indispensáveis para o exercício pleno daquelas que são hoje as atribuições do poder local e as competências dos seus órgãos;

– a identificação no domínio da transferência de novas competências, das que se adequam ao nível municipal, que não comprometam direitos e funções sociais do Estado (designadamente a sua universalidade) e sejam acompanhadas dos meios financeiros adequados e não pretexto para a desresponsabilização do Estado por via de um subfinanciamento que o actual processo institucionaliza.

A apreciação geral sobre o processo, o conjunto de implicações financeiras, humanas e organizacionais, a ausência de conhecimento sobre as matérias a transferir, conduzem a que, responsavelmente e na defesa dos interesses quer da autarquia quer da população vote contra as 4 propostas de aceitação de competências já assumidas pelo Executivo e, em coerência, vote favoravelmente as 7 propostas de rejeição que o Executivo deliberou, lamentando que lhe tenha faltando a coragem para assumir a rejeição global de todos os diplomas.

A Eleita da CDU na AM de Viseu

                                                                            Filomena Pires