Número 21 – As Casas Ameaçadas

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Já falámos de múltiplos assuntos neste espaço, uns que nos inspiram sorrisos e júbilos, outros que atraem as sobrancelhas uma para a outra em sinal de desagrado. Falei recentemente em dois tópicos que se cruzam e vão ao encontro do assunto deste número. Escrevi, em primeiro lugar, acerca da importância do patriotismo e seguidamente sobre a preservação do património. Neste número falo numa segunda categoria de património: os comércios antigos ou, como se dizia nos tempos a preto e branco, “as casas.” Sim, aquelas tão presentes na era do romantismo português. Começarei a minha opinião com uma experiência pessoal. Estudei História na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Certo dia, tive curioso cavaco com o saudoso professor Nuno Simões Rodrigues, na cadeira História da Antiguidade Clássica. Foi o seguinte:

– O Francisco é de Viseu?

– Sou sim, professor.

– Estive lá faz pouco tempo. Lanchei numa extraordinária pastelaria no centro da cidade.

– Qual?

– A Pastelaria Horta.

Existem certas casas que pela generosidade das décadas, a excelência dos produtos ou as peripécias inolvidáveis, se transformam em brilhantes joias brilhantes. Vejam o exemplo da Versailles, em Lisboa, ou do Majetic, no Porto. Num recente passeio pela rua Formosa, algo estava a menos, como mar sem maresia. O cantinho onde o café Horta se encontrava alojado há mais de 140 anos não abria as suas portas. Uma certa nuvem de langor sombreou os meus passos enquanto os império dos porquês se expandia no meu espírito. Fiquei francamente triste e procurei informar-me. Ao que parece, a má gestão do espaço fez ruir a sua existência. As cadeiras outrora tronos de liras humanas, como Aquilino Ribeiro, dão agora lugar a um vazio encharcado pelas lágrimas de Viseu. O Horta era dos poucos cafés da cidade que silenciava os incrédulos descrentes no regresso ao passado, onde elegantes senhoras estendiam os vestidos humildes mas belos e os cavalheiros repousavam a cabeça dos chapéus de coco. Somos constantemente invadidos com notícias de encerramentos de mercearias, restaurantes, cafés ou pastelarias, muitos deles vítimas de interesses obscuros e do descontrolo do turismo selvagem. O O antigo é encarado como adversário do progresso e o moderno é tido como um Renascimento Vanguardista. Qual é o próximo passo? Substituir castelos por computadores à escala de Titãs? Como disse em números anteriores, o projecto de desapego a símbolos nacionais e locais avança sem travão. O globalismo é uma ameaça e os resultados estão à vista. Que sirva este lamentável desfecho de aviso para outros comércios em forma de lenda. Só dessa maneira conseguiremos tomar café no Lobo, lanchar na Amaral e ler no Café Teatro.

Francisco Paixão