Entrevista a José Rodrigues (Escritor)

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José, agradeço primeiramente a sua disponibilidade para ceder uma entrevista ao Escriba. Quando é que o impulso pela escrita nasceu na sua vida?

O impulso pela escrita nasceu há muitos anos, desde a escola primária. Ficava sempre deliciado quando a professora dizia: Agora vamos fazer uma composição e o tema é livre Escrevi sempre, sobre tudo o que via, sobre o que imaginava, enquanto via. Nem eu próprio consigo explicar como, chegada a data de ir para a universidade, fui para um curso de gestão. Depois, na universidade, todos os intervalos serviam para escrever, talvez como forma de fugir aos números.

É sempre fascinante quando a semente da nossa criatividade é lançada na terra da infância. Como definiria o seu estilo literário?

A minha linguagem escrita tem como base a importância do afeto na nossa vida. Tento fazê-lo de uma forma simples. Acredito piamente que, à medida que a idade vai passando, as coisas simples se vão tornando as mais importantes na nossa vida, mas demoramos a aprender isso.

A amizade e o amor, em todas as suas formas, são sentimentos mais do que suficientes para que todas as palavras surjam. Tive a sorte de ter uma infância de bairro, rica em ligações emocionais. Tive também a sorte de continuar, de uma outra forma, essas ligações na universidade, e mantenho-as. Os anos passam a um ritmo alucinante, mas os reencontros, quando surgem, fazem parecer que tudo aconteceu há apenas algumas horas atrás.. Isso é a memória do afeto a trabalhar. Acontece-me todos os dias encontrar uma rua, um aroma ou um objeto e isso me levar imediatamente a uma determinada altura da minha vida.

É algo que se reflecte na sua escrita. É engraçado que partilho o encanto pela juventude bairrista, algo que me inspirou no meu percurso. Sabemos que a sua escrita é maioritariamente em prosa, tem poesia escrita?

Em poesia tenho alguma coisa que fui escrevendo ao longo do tempo, mas não tenho coragem para partilhar.

Porquê?

Porque acho que não é o que eu consigo fazer melhore gosto muito mais de escrever prosa. Apesar de gostar muito de poesia. Em todos os meus livros, coloco nas páginas inicias um excerto de uma poesia. Sinto-me bem a ler poesia e a escrever prosa.

Muito bem. Eu costumo dizer que as criações são filhos espirituais do criador. Da sua já extensa obra, consegue eleger um livro como preferido?

O tempo nos teus olhos, mas por uma margem mínima. Apenas porque se foca na terceira idade a terceira idade merece um pouco mais da nossa atenção, sobretudo porque nos ensina mais.

É uma visão afável, até heroica. Que nos pode dizer da sua colaboração com a fotógrafa Sara Augusto?

A Sara é uma amiga de longa data. Conhecemo-nos no dia de entrada na universidade. Ela em Humanidades, eu em Gestão. Ficámos sempre amigos. O seu talento não tem fim. Curiosamente, ela é professora de literatura e eu um homem de números., mas eu escrevo e ela fotografa, não deixa de ser engraçado. Os romances combinam um discurso fotográfico com um discurso literário, como se um não pudesse viver sem o outro. A beleza das suas fotos não tem fim. Aliás, ela transporta a sua sensibilidade para as fotos, acrescentando seriamente os meus romances. É sempre um enorme trabalho escolhermos as fotos para os livros. O seu portefólio é gigante. E, em todos os livros, existem fotos feitas propositadamente para cada capítulo, como se o resumissem.

Estamos perto do fim, José. Qual é, no seu parecer, o maior escritor português e estrangeiro da história.

Luís de Camões e William Shakespeare.

Como avalia a actualidade literária à escala global? Regredimos, estagnámos ou evoluímos?

A meu ver, assistimos a um fenómeno estranho que é ver os números no comando. As grandes decisões do mundo tomam-se pelos resultados quantificáveis, pela ganância e pela sede de poder. A questão é que os efeitos mais importantes para o ser humano são aqueles que não conseguimos contabilizar. Por isso, eu acredito que se o mundo fosse governado por poetas, em vez de economistas estaríamos bem melhor. A actualidade literária peca pela falta de atenção que sofrem os criadores. Isto aplica-se a outras formas de arte. Ou são para dar lucro ou não se aposta. E será que as coisas que mais confortam o nosso espírito, que nos fazem ser melhores seres humanos, têm de ser mensuráveis? Acho que é urgente um processo de desmaterialização. Os recursos, que aprendi serem escassos, são aplicados em escolhas tremendamente duvidosas e a literatura não é uma delas.

Análise digna de um verdadeiro autor. Para terminar, que mensagem deseja endereçar aos seus leitores?

Uma enorme mensagem de agradecimento pelo facto de acharem que vale a pena lerem-me. É muito bom saber que acrescento alguma coisa na vida de quem me lê e se esse bocadinho for um sorriso, já terá valido a pena.

Francisco da Paixão